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Direitos Humanos

Acompanhe o último capítulo | da série "Vida em ocupação"

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Fernanda Cruz
11/09/2015 - 05:00
São Paulo (SP)

A série especial "Vida em ocupação" chega ao fim com esse terceiro capítulo. Conheça a história da ocupação do Edifício União, localizado no bairro do Bom Retiro, na capital paulista. O prédio, que já teve fama de cortiço, vai ser reformado graças a um prêmio internacional de moradia. Acesse também a versão no Portal EBC.

 

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Na região central da capital paulista, o déficit de 230 mil moradias na cidade fica evidente com prédio ocupados por movimentos sociais ligados a trabalhadores sem teto. A prefeitura calcula que 90 edifícios estejam abandonados apenas naquela região. Em geral, esses espaços pertencem a massas falidas ou a órgãos públicos.

 

As histórias de luta e despejo se repetem. Mas a ocupação de um edifício no bairro do Bom Retiro é um dos raros casos de sucesso. De cortiço em ruínas, o Edifício União se tornou vencedor de um prêmio inglês de moradia em 2008 no valor de 100 mil dólares que ainda vai ser usado na reforma do prédio.

 

Abandonado ainda em fase de construção, o edifício foi ocupado na década de 80 e chegou a abrigar, em seus oito andares, 72 famílias, quase o dobro da capacidade máxima.

 

Sem paredes divisórias, os oito andares eram grandes vãos-livres. Quem chegava ao local começava a construir apartamentos e quartinhos. A assistente de departamento jurídico Rosemeire Mori, de 50 anos, conta que havia muito lixo e precariedade. Os pontos de luz eram clandestinos.

 

Sonora: “Era um fiozinho ligado direto do poste para cá e esse fiozinho puxava vários fios, um para cada apartamento. Quase todo dia estourava o transformador no poste, os vizinhos vinham aqui xingar a gente”.

 

A história do Edifício União começou a mudar em 2003, quando a socióloga Maria Ruth Amaral de Sampaio, ex-diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, encontrou o prédio. O local virou o principal objeto de estudo do doutorado da pesquisadora.

 

O primeiro passo foi diminuir a quantidade de moradores para reduzir o risco de desmoronamento. Depois, a prefeitura ofereceu dinheiro da passagem para quem quisesse voltar para os estados de origem. Também havia casos mais complicados, como conta a socióloga.

 

Sonora: “Tinha lá dentro uns que se dedicavam a tráfico de drogas e prostituição. Depois fiz uma reunião e justamente essas pessoas que eram as mais preocupantes do prédio aceitaram o dinheiro para ir embora. Eram 64 e ficaram 42, que moram lá até hoje”.

 

O prédio precisava de reformas na estrutura. Para isso, Maria Ruth levou engenheiros e estudantes da Escola Politécnica da USP ao local, que se dedicaram um ano inteiro à obra.

 

No entanto, um fantasma ainda assombrava as famílias: a reintegração de posse. O antigo proprietário do Edifício União morreu, sem deixar herdeiros. A briga judicial pelo usucapião do imóvel começou em 2002, com o apoio do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Mas a Justiça negou o direito pedido individual de usucapião.

 

As famílias, então, criaram uma comissão com o objetivo de regularizar as dívidas do imóvel, como de luz e água. E foram ainda mais longe: parcelaram os débitos atrasados, desde a década de 80, do IPTU. Faltam apenas 34 parcelas para quitação.

 

Em 2005, foi feito um segundo pedido de usucapião, mas dessa vez coletivo, em nome de todos os moradores. Para alívio das famílias, em janeiro deste ano, o direito foi concedido. É o único caso para um prédio inteiro no país, segundo o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

 

Rosemeire comemora a conquista ao longo das quase três décadas morando ali.

 

Entre os fatores que agravam o cenário de déficit habitacional na cidade de São Paulo, está o baixo investimento na construção de moradias populares. A meta da prefeitura de construir 55 mil casas até o ano que vem está longe de ser alcançada. Até junho deste ano, foram entregues cerca de 4.900 unidades. Outras 17.000 estão em construção.

 

Enquanto essa conta não fecha, o caso do Edifício União é uma esperança para milhares de famílias sem-teto.

 

Série especial “Vida em ocupação” - Capítulo três: Edifício União
Reportagem: Fernanda Cruz
Sonorização: Priscila Resende
Edição: Lilian Beraldo e Beatriz Pasqualino
Coordenação: André Muniz, Lilian Beraldo e Juliana Cézar Nunes
Esta é uma produção da Agência Brasil, em parceria com a Radioagência Nacional.

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