A terceirização das relações trabalhistas e o aumento da desigualdade social favoreceram os casos de trabalho semelhante à escravidão no país. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
O período da pandemia, o aumento do desemprego e as oportunidades mais precárias de emprego influenciaram o aumento do número de pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho. Segundo avalia a diretora executiva do Instituto do Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, Marina Ferro.
"Combater o trabalho escravo é você também produzir, né? Oportunidades e reduzir as desigualdades. Quanto mais você tem desigualdade social, mais fácil vai ficar de precarizar as situações. Quanto mais você tira as pessoas da pobreza, da fome, gera oportunidades dignas, menos isso acontece."
Além da queda na renda das famílias, o procurador do Ministério Público do Trabalho em Alagoas, Tiago Cavalcanti, concorda que a precarização das relações trabalhistas piorou o quadro do trabalho escravo no Brasil.
"A gente teve uma precarização dos níveis de proteção social, ou seja, a legislação trabalhista foi flexibilizada, ela foi desregulamentada, a proteção social da Previdência Social foi flexibilizada, a gente teve o fenômeno da "uberização" das relações de trabalho de uma forma muito intensa, de um certo modo, fomentado e incentivado pelos últimos governos."
O grande número de resgates de pessoas em condições semelhantes a escravidão neste início do ano trouxe o tema de volta ao debate público. Os casos registrados nas vinícolas do Rio Grande do Sul, de cortadores de cana em São Paulo, Goiás e Minas Gerais, têm um ponto em comum: todos trabalhavam para empresas terceirizadas.
Para o procurador do trabalho Tiago Cavalcanti, as empresas que subcontratam os trabalhadores terceirizados fingem não ver o problema.
"A identificação é óbvia. O que existe na verdade é o que a gente chama de uma cegueira deliberada. Ou seja, uma cegueira proposital. Ela fecha os olhos, finge que não conhece aquela realidade, quando na verdade ela tem todos os elementos pra saber que aquilo existe de fato."
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, neste ano até o início de março, as autoridades resgataram 523 vítimas de trabalho análogo ao escravo. O agronegócio é o setor econômico mais frequentemente envolvido. De 1995 a 2022, das mais de 57 mil pessoas resgatadas dessa situação, 29% atuavam na criação de bovinos, 14% no cultivo de cana-de-açúcar e sete por cento na produção florestal.