Memória e Verdade #4: resistência à ditadura e a luta pela democracia
"Atenção! Está no ar a Rádio Libertadora, de qualquer parte do Brasil para os patriotas de toda parte. Rádio clandestina da revolução. O desejo de todo revolucionário é fazer a revolução. Abaixo a ditadura militar."
A militante da Ação Libertadora Nacional Iara Xavier Pereira convoca a população para ouvir o discurso do líder do grupo, Carlos Mariguella, após ocuparem os transmissoras da Rádio Nacional de São Paulo, em 15 de agosto de 1969.
A esperada resistência popular imediata contra a derruba de João Goulart, em 1964, não veio. Setores progressistas da sociedade não conseguiram reagir ao golpe orquestrado por militares, empresários e políticos de direita.
Mas com os horrores da ditadura, estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, artistas, intelectuais e até religiosos passaram a exigir a volta da democracia.
Com aumento da mobilização social, a resposta foi mais violência por parte da ditadura. Uma escalada autoritária com o AI-5.
A esquerda se dividiu formando algumas organizações clandestinas que buscaram uma resistência armada. Todas foram liquidadas pela tortura, prisão e morte, como explica o sociólogo Marcelo Ridenti, professor da Unicamp. "Qual a melhor maneira de combater a ditadura? Tinha as passeatas, cartazes que diziam: "só o povo armado derruba a ditadura", outros colocavam: "só o povo organizado derruba a ditadura". Uma parte da esquerda entrou na luta armada, mas foi dizimada pelo aparelho repressivo".
O jornalista Franklin Martins participou da luta armada contra a ditadura. Hoje ele avalia que foi um erro político da esquerda. "A partir do AI-5 não podíamos fazer a luta política aberta, então fomos para a luta armada. Foi um erro. Não porque não se possa ir para a luta armada, mas porque isso afastou militantes políticos de enorme valor, afastou do cotidiano. O movimento de massa recuou e eles não recuaram. A luta armada foi destroçada".
Com o fracasso do governo dos militares, a pressão pela abertura política do país cresceu na década de 1970. A ditadura perdia o fôlego. Em 1974, o general Ernesto Geisel assumiu para uma transição “lenta, gradual e segura”, seguido de João Baptista Figueiredo, o último ditador, que ficou no cargo até 1985.
Em 1979, foi aprovada a Lei da Anistia, para torturados e torturadores. Mas, enfim, os exilados puderam voltar ao país, os partidos puderam ser criados e recriados, os trabalhadores lutaram para se reorganizar e lutar pelo direito de greve.
Uma grande mobilização veio pelo voto direto para presidente em 1985, o que os aliados da ditadura não permitiram. A democracia foi reconquistada apenas com a Constituição de 1988.
Mesmo assim, a justiça nunca foi realizada. Os torturadores, os ditadores, e seus apoiadores, nunca foram para o banco dos réus. Para Lucas Pedretti, coordenador da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça e Reparação, os militares buscaram controlar toda a transição e assim impor o esquecimento e a impunidade.
Confira todos os episódios da série
Jânio Quadros renuncia a presidência em agosto de 1961, abrindo uma crise na república. Militares tentam impedir a posse do vice-presidente, João Goulart. Uma manobra no Congresso cria o sistema parlamentarismo, derrotado por um plebiscito em 1963. O golpe estava em gestação. |
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Enquanto o ex-presidente João Goulart defendia reformas estruturais no país, militares planejavam o golpe de estado com apoio dos Estados Unidos. A ruptura foi efetivada com as tropas do general Olímpio Mourão chegando ao Rio de Janeiro em 1º de abril de 1964. |
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A tomada de poder pelos militares resultou em todo tipo de restrição civil e de violência. Políticos cassados, o Congresso fechado, novos ministros do STF indicados. Milhares de presos, torturados e mortos. Ditadores governam por atos institucionais autoritários. |
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Com os horrores da ditadura, a sociedade passa a exigir a volta da democracia. A esquerda se dividiu formando algumas organizações clandestinas que buscaram uma resistência armada. A democracia foi reconquistada apenas com a Constituição de 1988. Mesmo assim, a justiça nunca foi realizada. |
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Após 60 anos do golpe militar, a transição democrática continua incompleta no Brasil. Pesquisadores, professores, ativistas e ex-presos políticos falam sobre a lição da ditadura para a democracia atual brasileira. |
Por dentro da série
A série Memória e Verdade resgata diferentes momentos dos 60 anos de golpe de Estado no país.
Reportagem | Gésio Passos |
Sonoplastia | Jailton Sodré |
Edição do especial | Daniela Loguinho |
Edição Radioagência e implementação web | Leyberson Pedrosa |
A ideia da anistia como uma imposição do esquecimento e como garantia da impunidade foi reformulada pelos dirigentes do regime e ela vai acompanhar a democracia brasileira o tempo todo.
Esforços como a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, em 1995, a Comissão de Anistia, em 2002, e a Comissão Nacional da Verdade, em 2011, buscaram reparar a memória desse violento período histórico brasileiro.
A Comissão da Verdade registrou 434 mortes e 210 desaparecimentos por perseguições políticas na ditadura. A entidade ainda estimou 8.350 indígenas assassinados pelos militares.
Além disso, uma pesquisa recente do professor e ex-preso político Gilney Viana identificou a morte ou desaparecimento de 1.654 camponeses durante a ditadura, número muito superior aos indicados pela Comissão Nacional da Verdade.
A série Memória e Verdade retrata os 60 anos de golpe no país. Nesta sexta-feira, o último episódio vai discutir as lições da ditadura para a atual democracia brasileira.
*Com sonoplastia de Jailton Sodré