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Mariana será palco de manifestações que vão lembrar um ano da maior tragédia ambiental do país

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Desirée Miranda, da Rádio Inconfidência
01/11/2016 - 16:19
Belo Horizonte

Há 12 meses, uma tromba d'água, lama e rejeitos de mineração surpreendia moradores e trabalhadores do distrito de Bento Rodrigues, a 24 quilômetros de Mariana, na região central de Minas Gerais, levando tudo o que estava pela frente.


A tragédia, que aconteceu no dia 5 de novembro do ano passado, foi consequência do rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, que estava em operação desde 2009. O povoado ficou completamente destruído, casas, igrejas, escolas, postos de saúde, campos de futebol, praças e apenas uma capela no alto de um morro foi poupada da destruição. Os cerca de 620 moradores perderam tudo o que tinham. E o pior, 19 pessoas, inclusive uma criança de 7 anos, morreram. Alguns corpos só foram encontrados esses após o desastre.

 

Os sobreviventes não gostam de lembrar do dia que mudou a vida de todos. E se emocionam ao reviver o desespero e a correria para fugir da lama. A lavradora Eleni Maria Alves disse que tinha acabado de chegar ao distrito com a filha recém-operada quando um vizinho a alertou para fugir.


Sonora: “Aquele dia, eu estava aqui, foi prazo de segundos para chegar lá. Minhas meninas, a pequena tinha acabado de fazer a cirurgia, a grande estava cuidando dela. Foi o prazo de chegar na curva de casa e gritar para correr que a barragem estourou. E vinha aquele mundo de trem, mais de 30 metros. Nos fomos correndo para o alto. O umbigo da minha menina chegou a estourar, e eu disse que ela não podia ver aquilo, que tinha que correr. Na hora, pensei em sentar e deixar aquilo vir, ai Deus colocou na minha cabeça pra correr, porque ninguém tinha mais perna pra correr. Pensando que era a grandona, que existe a barragem grande. Se fosse a grande, ninguém tinha sobrevivido não.” “Nossa vida não está boa não. Estamos querendo ir embora. Porque somos acostumados com o dia a dia na roça. Elas tinham as amizades, vejo minha menina presa, aborrecida, ficando rebelde. Lá [em Bento Rodrigues], ela brincava com as coleguinhas. Aqui [em Mariana], não posso deixar porque cada uma foi pra um lado. E ela só encontra as colegas na escola. Ela voltou em Bento dia desses. Eu não tive coragem. Não tem nada mais pra buscar lá. Não deixei nada lá. Muito triste.”


Os moradores de Bento Rodrigues foram instalados em casas alugadas pela mineradora Samarco, em Mariana. Eles também recebem um salário mínimo, mais 20% desse valor por dependente, auxílio para pagar energia elétrica e uma cesta básica por mês. Mesmo assim, muitos deles, assim como Eleni, têm dificuldade de se adaptar à vida da cidade. O aposentado Osvaldo Apolinário de Almeida, de 73 anos, disse que sente falta de plantar os próprios alimentos e lamenta a distância da família. Ele espera que o novo distrito que está sendo planejado seja construído o mais rápido possível.


Sonora: “Minha família é toda de lá, meus filhos foram criados lá. Estamos morando longe. Uma vida muito penosa. Não é tão penosa porque está com saúde. Se não tivesse com saúde, estava morto lá, ia ser pior. A companhia está dando assistência. A gente vai levando a vida até ir pro novo  novo lugar. Começando esse ano que vem agora, tenho esperança de que fica pronto o mais rápido possível. Chegando lá, quero voltar para as minhas plantas, minha horta que eu tinha, cuidar da criação que eu tinha lá.”


Outro impacto na vida dos moradores foi econômico. Sandra Domertides Quintão tinha um bar no distrito e perdeu todo o investimento. Para conseguir se sustentar e não sair do mercado, ela faz salgados e doces para vender na feira de Mariana. E espera poder recuperar o comércio quando for reassentada.


Sonora: “Eu estou correndo atrás desde o sétimo no hotel, quando eu consegui uma cozinha emprestada. Comecei a fazer coxinhas e doces. E graças a Deus está dando resultado positivo. Procurei uma feira pra vender meus produtos, congelados e fritos. Não é o lucro que eu tinha em Bento. Lá eu tinha um bar e um restaurante, mas agora tenho que ficar na feira. Vai ter uma feira em outro lugar de Mariana. Acho que vai dar pra conciliar as coisas até voltar pra Bento Rodrigues.”


Além de moradores de Bento Rodrigues, também morreram, na tragédia, trabalhadores de empresas que prestavam serviços para a Samarco. Aline Ferreira Ribeiro é viúva de Samuel Vieira Albino, que trabalhava na barragem. O corpo dele foi encontrado dois dias depois, no município de Rio Doce, a 100 quilômetros do local do rompimento. Aline fala da saudade que sente do marido.


Sonora: “A gente não teve Natal, não teve Ano-Novo. A gente não tem mais um domingo, que a gente tinha um almoço com a família completa, e não só o meu caso. Mas é o caso de todas as outras viúvas. E recomeçar não é fácil. Vai fazer um ano, mas parece que fez um mês. As consequências parecem que ficam maior cada dia que passa, porque a saudade é maior. Os filhos sentem mais. Os pais dos nossos maridos sentem mais. E a gente sente a falta deles. Porque é um ser humano, uma pessoa que era amada. E um ser humano, não tem valor que pague. O valor seria elas de volta. Mas a vida não se compra.”


Nessa segunda-feira (31), o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) iniciou uma caminhada da cidade de Regência, no Espírito Santo, onde a lama atingiu o mar, até Mariana, onde, entre os dias 3 e 5,  faz uma série de manifestações para lembrar um ano da tragédia.

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