Universidade deve ser articuladora contra o racismo, diz astrofísico
Mesmo com o aumento do acesso de estudantes negros a universidades nos últimos anos, como aponta o IBGE, o ambiente acadêmico ainda carece de pessoas negras nas áreas ligadas às ciências, à educação, a funções estratégicas. A avaliação é especialista em astrofísica estelar e professor de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Alan Alves.
Para ele, a sub-representitivade dos negros nestes ''locais'' demonstra o racismo estrutural no Brasil. Para mudar esta realidade, Alan Alves defende, o investimento em cultura científica a partir da educação básica até a formulação de políticas afirmativas na universidade.
No Dia da Consciência Negra diz que é preciso que a universidade pense as questões que passam pelo racismo.
Acompanhe a entrevista.
Radioagência Nacional - Pesquisa do IBGE mostra que aumentou o acesso dos negros às universidades, mas, temos visto diversos movimentos, pelo aumento da representatividade no espaço acadêmico e em áreas ligadas às ciências exatas, e em especial à astronomia, por mulheres e pessoas negras? Como percebe este desafio?
Alan Alves - Eu interpreto essa sub-representatividade sobretudo de pessoas negras nas ciências como um sintoma do racismo ou seja do racismo estrutural e estruturante que tem não apenas exterminado fisicamente corpos negros, mas também exterminado de maneira epistêmica, ou seja no campo do conhecimento, do saber, do acesso à universidade, à educação básica, no acesso aos bens materiais e simbólicos que a ciência nos oferece, no primeiro momento.
Então, essa sub-representação dessas pessoas está muito associada a isso, a uma falta de representatividade dessas pessoas no livro de ciências, mas também dessas pessoas na TV, no livro, no cinema. E quando a gente vai para o conhecimento, para a ciência, para tecnologia que também são espaços de disputa porque também significam e trazem consigo essa potência, as pessoas negras não estão. Física, astronomia, astrofísica, engenharia elas não são desde as idades mais tenras possibilidade de realização profissional para meninas negras ou para meninos negros. Então, a gente a gente tem uma questão estrutural. Tem também a questão do acesso à tecnologia e as questões dos papéis de gênero que são distintos para as meninas brancas e meninas negras. São questões que estão dadas para nós e que fazem parte desta educação. Então, nós temos que criar de fato uma educação antirracista.
Radioagência Nacional - E como criar, de fato, uma educação antirracista?
Alan Alves - Para mim a maneira efetiva para transformar a sub-representação das pessoas negras nas ciências exatas, nas ciências de forma geral, passa pela educação básica, principalmente, pela transformação, pela reestruturação da educação básica, em que a maioria dos estudantes são pessoas negras.
Essas escolas muitas vezes não têm professores de ciência com formação adequada, não tem laboratórios, não tem cultura de acesso em educação em ciências ideal. Então é importante pensar a maneira que as escolas estão organizadas: salário de professor, estruturação, articulação com museus, observatórios, planetários, ou seja com uma cultura científica que é muito debilitada na educação básica. E quando esses corpos entram na universidade, as políticas de ações afirmativas de ingresso e de permanência são essenciais. Então, é muito importante que se sintam amparados já quando entram na universidade, com acesso aos programas de extensão, de iniciação científica. E o mesmo para a pós-graduação que tem políticas de ações afirmativas mais escassas, pelo discurso da meritocracia. Então, não é só a questão racial, mas a questão racial na perspectiva multidimensional – moradia, alimentação, acesso à tecnologia, cultura científica, horários de aulas, importância das pessoas negras se sentirem representadas em livros, metodologias, falas. Então, envolve muitos movimentos.
Radioagência Nacional - E neste Dia da Consciência Negra, o que dizer aos seus pares e estudantes que vislumbram a carreira científica?
Alan Alves - Hoje eu digo, sim, a universidade é branca, masculina, heterossexual, ainda é normativa. Ainda resservada para as pessoas bem nascidas do norte e sul global. Então, hoje é importante que a universidade se ''racialize'', perceba-se em seu lugar de privilégio, mas também perceba-se como principal articuladora dessas mudanças estruturais. É a universidade que forma professores, pesquisadores, engenheiros, médicos, advogados, juízes. Por isso, é papel da universidade pensar as questões estruturais do Brasil que passam pelo racismo. Não há como transformar o Brasil sem debatermos o racismo. Muitas vezes, como paradoxo, o racismo é negado e nós cientistas aprendemos que negar verdades dadas é pseudociência. Temos que pensar como cientistas, sobretudo quando se trata da questão racial.