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Saúde

Sala de Vacina: do ovo ao frasco, saiba como um imunizante é produzido

2º episódio do podcast vai ao laboratório e conta como tudo é feito
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Tâmara Freire - repórter da Rádio Nacional
25/09/2023 - 06:07
Rio de Janeiro
Arte do segundo episódio do podcast Sala de Vacina.
© Caroline Ramos - Arte/EBC

Da criação da primeira vacina do mundo até os dias de hoje, o avanço na produção de imunizantes é colossal. Saímos da aplicação de secreções de pessoas infectadas em pacientes saudáveis para um complexo processo de pesquisa, testagem, aprovação, produção e controle de qualidade das vacinas.

São várias fases, termos técnicos e expressões científicas, que, o segundo episódio do podcast Sala de Vacina, Do Frasco, traduz ao ouvinte para que entenda como a ciência pode assegurar a segurança e a eficácia dos imunizantes presentes no Sistema Único de Saúde (SUS).

A série original da Radioagência Nacional e do jornalismo da Rádio Nacional marca os 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Além de ser direcionado ao ouvinte final, as rádios podem baixar o conteúdo e incluir em suas programações.

Tudo começa nos laboratórios de pesquisa, quando os cientistas estudam o agente causador das doenças pra decidir qual a melhor substância que vai estimular uma resposta do nosso sistema imunológico, e qual a forma mais eficaz e segura de levar esse antígeno até as nossas células.

Depois que os resultados são verificados in vitro, ou seja, fora de qualquer ser vivo, em vidrinhos (geralmente), o estudo passa por várias fases, explicadas no podcast com a ajuda de cientistas que estiveram envolvidos em alguns dos principais acontecimentos relacionados à vacina nos últimos anos.

O exemplo do desenvolvimento dos imunizantes contra covid-19 foi escolhido para destrinchar o assunto. Até mesmo a reunião da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovou o uso emergencial das primeiras vacinas contra o novo coronavírus foi resgatada pelo podcast - e a íntegra pode ser conferida em "conteúdo extra", no menu do fim desta página.

Depois de todas as fases de pesquisa e após a autorização para que a vacina comece a ser usada, o trabalho não acaba. É o que explica a diretora da Anvisa, Meiruze Freitas. 

“As vacinas continuam sendo monitoradas durante todo o seu ciclo de vida. E no Programa Nacional de imunização tem monitoramento das reações adversas. Faz-se um processo de investigação. Confirmou que é? É uma questão que precisa atualizar a bula? Precisa soltar alerta? É Preciso excluir, às vezes, um público-alvo da vacina?  Esse acompanhamento não é feito só no Brasil. Olha também a aplicação que é feita em outros países . Quando a gente autoriza um produto, as reações adversas são sempre consideradas menores do que os benefícios. A maioria é considerada reação adversa leve. Se assim não fosse, a gente não autorizaria”.

O processo de produção da vacina na fábrica também é explicado. A jornalista Tâmara Freire leva a gente pra conhecer como é produzida a vacina trivalente contra influenza pelo Instituto Butantan, e mostra que o início da fabricação ocorre de um jeito que pouca gente imagina: em um ovo de galinha. A diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos detalha:

“Dentro do ovo se faz uma cultura para ele crescer. Essa cultura, desse vírus, dentro desse ovo, forma o que a gente chama de antígeno, e esse antígeno é retirado do ovo e vai para a produção da vacina. Um ovo dá cerca de três, quatro doses de vacina de influenza. Tudo isso pensando que é uma fábrica, então faz um, descontamina, faz o outro, descontamina, faz o outro…  Depois, eles fazem todo o processo de estabilidade para que a gente saia com essa vacina trivalente. E depois de terminada a produção, essa vacina passa por todos os processos de análise de qualidade”.

Esse episódio, aliás, foi feito também com o objetivo de entregar informação confiável para que, quando chegar uma fake news pelo celular ou pelas redes sociais, o ouvinte desconfie, porque já sabe muito bem como a vacina precisa passar por tantas etapas complexas até chegar na seringa. O Sala de Vacina ajuda também a desmentir boatos sobre sintomas graves atribuídos aos imunizantes. Além de explicar o conceito de reação adversa e como ela existe até para um simples paracetamol, o podcast traz a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabela Ballalai, para falar sobre algumas fake news específicas.

“A miocardite acontece principalmente entre homens de 14 a 24 anos. A gente já falou isso 300 vezes. O que fizeram em relação à vacinação de crianças, os antivacinistas? Foi destruir a percepção de risco da doença para as crianças - “não é verdade, ela mata”- e dizer que a vacina causa miocardite. Nenhuma criança menor de 11 anos teve miocardite pela vacina aqui no Brasil, tá lá nos dados do Ministério da Saúde”

Confira a íntegra dessa história no player do topo da página. No próximo episódio, o Sala de Vacina vai contar como foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e como ele mudou a história da vacinação no Brasil.

Acesse o Calendário Nacional de Vacinação e outras informações sobre imunização no SUS na página do Ministério da Saúde.

 

Episódios já publicados:

  1. Da Vaca: Como a vacina mudou o Brasil e o mundo
  2. Do Frasco: Como é feita uma vacina e porque ela é segura
  3. Do Brasil: Como o país virou exemplo mundial em imunização
  4. Do Oswaldo ao Zé: Da revolta contra a imunização ao amor pelo Zé Gotinha
  5. Da Volta por Cima: Porque as taxas vacinais caíram e como recuperar

 

Você pode conferir, no menu abaixo, a íntegra da reunião da Anvisa que aprovou as primeiras vacinas contra covid-19 para uso emergencial no Brasil. Também é possível acessar a transcrição do episódio, a tradução em Libras e ouvir o podcast no Spotify, além de checar toda a equipe que fez esse conteúdo chegar até você.

PODCAST

SALA DE VACINA

EPISÓDIO 2: DO FRASCO

[MÚSICA DE ABERTURA]

TÂMARA FREIRE: A primeira vacina da humanidade não passava de um pouco de secreção tirada de uma pessoa com varíola bovina e injetada em pessoas saudáveis para evitar que elas contraíssem a varíola humana.

Essa história a gente contou no primeiro episódio desse podcast. Ouve um trechinho:

[TRECHO DO EPISÓDIO 1] “Jenner observou que ordenhadeiras de vacas que contraíam varíola animal pareciam imunes à forma humana da doença. Então, ele coletou um pouco de secreção das feridas de uma mulher com varíola bovina e injetou em um menino saudável. O garoto adoeceu, mas se curou rapidamente”.

TÂMARA: Se você não ouviu esse episódio, eu recomendo fortemente que você volte lá. Ele se chama Da Vaca, e está disponível aqui nesta plataforma de áudio ou no site da Radioagência Nacional.

Bom, esse método era perigoso, impreciso e nojento, obviamente, mas deu certo. E ao longo dos últimos 250 anos foram muitos os avanços até chegar naquele frasquinho que a enfermeira tira da geladeira pra injetar no seu braço quando você se vacina na unidade de saúde do bairro.

Mas, afinal de contas, o que tem exatamente nesse líquido milagroso e como os laboratórios fazem, hoje em dia, pra produzir as vacinas que imunizam a gente contra tantas doenças diferentes?

[EFEITO SONORO DE INTERFERÊNCIA SONORA]

Spoiler: te garanto que não é grafeno nem chip de celular.

[EFEITO SONORO DE HUMOR]

E é sobre isso que nós vamos falar agora no Sala de Vacina: como os imunizantes são produzidos e o que garante que eles são seguros para a população. Também vamos te explicar o que são os temidos efeitos adversos.

A gente espera que, ao final desse episódio, todo mundo entenda de uma vez por todas que vacinas não causam autismo, nem magnetismo, muito menos satanismo.

[EFEITO SONORO DE HUMOR]

[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]

TÂMARA: EPISÓDIO 2: DO FRASCO

[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]

TÂMARA: Como o assunto é complexo, a gente chamou alguns dos maiores especialistas em vacinas do Brasil pra explicar. Começando pela Isabela Ballalai, que, por alguns anos, foi presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações - e hoje é uma das diretoras da instituição.

[ISABELA BALLALAI] “Então vamos lá! As fases para você chegar a um medicamento, ou no caso nosso aqui, a uma vacina: primeiro esse pesquisador vai precisar definir qual vai ser o antígeno que ele vai usar na vacina de forma que essa pessoa não fique doente, mas fique protegida. Essa parte, por exemplo, com a vacina HIV, a gente não conseguiu chegar até hoje. Outras demoraram 10 anos, algumas demoraram 20 anos. E por que com a covid foi rápido? Porque esse aprendizado a ciência já tinha. Porque há muito tempo essas plataformas que foram usadas pras vacinas de covid já estavam sendo usadas. Para a população é novo, mas para a ciência não era novo”.

TÂMARA: Ou seja, tudo começa nos laboratórios de pesquisa, quando os cientistas estudam o agente causador das doenças pra decidir qual o melhor antígeno, a substância que vai estimular uma resposta do nosso sistema imunológico, e qual a forma mais eficaz e segura de levar esse antígeno até as nossas células.

Esse modelo da vacina é o que os pesquisadores chamam de plataforma. E, às vezes, várias alternativas são encontradas para a mesma doença. É o caso da vacina contra a covid-19.

A Coronavac é feita a partir do coronavírus inativado, ou seja, morto. Já a vacina da Astrazeneca é feita com um tipo de vírus chamado de adenovírus. Mas ele é modificado para não conseguir se reproduzir dentro do corpo humano e para levar uma proteína do coronavírus, que é o que provoca a reação imunológica.

E, como nós vimos no primeiro episódio, a vacina da Pfizer utiliza a tecnologia nova e revolucionária do RNA mensageiro, uma substância totalmente sintética que copia um fragmento genético do vírus.

Mas há vacinas feitas com os agentes atenuados, ou seja, ainda vivos, mas enfraquecidos. E outras que utilizam apenas pedaços deles. Pra confirmar o que os cientistas verificam in vitro, em laboratório, em frasquinhos normalmente de vidro, começa uma longa bateria de testes. A gente volta com a Isabela Ballalai para entender esse longo processo:

[BALLALAI] “Daí para frente você tem a fase pré-clínica, que você vai experimentar em animais. Se funciona no animal, a gente passa para fase Clínica, onde poucas pessoas vão receber a vacina e a gente vai ver se ela é segura e se ela faz a pessoa produzir anticorpos. Isso aconteceu? Foi segura? Vamos para a frase 3. A gente vai incluir não só pessoas que vão receber vacina, como pessoas que vão receber o placebo, no teste que a gente chama de duplo cego. Claro que isso é feito proativamente, essas pessoas são acompanhadas quase que semanalmente, depois mensalmente, a depender do estudo.”

TÂMARA: E todas essas etapas são acompanhadas criteriosamente. Qualquer pesquisa em seres humanos no Brasil precisa ser aprovada previamente pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (Conep). E ao longo de toda a sua execução, ela será acompanhada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A diretora da Anvisa, Meiruze Freitas, explica que os protocolos para cada fase são bem rígidos e estão em sintonia com os melhores parâmetros internacionais.

[MEIRUZE FREITAS] “Nós fazemos avaliação da qualidade do desenho desse estudo. Avaliar o perfil de segurança, as primeiras respostas imunológicas. Com o Resultado positivo, nós passamos para a fase seguinte, com um número maior de voluntários, que também avalia reações adversas e resultados de eficácia. A gente passa para uma fase com um grupo maior - e normalmente para vacina ocorre em vários países. O Brasil é um bom celeiro para condução de estudos clínicos, devido à diversidade da nossa população e do conhecimento científico do nosso país.

TÂMARA: E só depois de todo esse trabalho, é que a vacina poderá ser liberada para produção em escala e uso na população, segundo Meiruze.

[MEIRUZE]“Quando esse pacote de dados está pronto com todas essas respostas, normalmente a empresa submete todos esses dados junto com dados de qualidade, de estabilidade, de boas práticas de fabricação, que nós chamamos aqui de um dossiê. A Anvisa nesse momento avalia esse conjunto de dados, tanto clínicos quanto da qualidade, e toma uma decisão baseada sempre numa relação entre benefício e risco, levando em consideração para qual doença essa vacina tá sendo pretendida, qual a situação epidemiológica no Brasil e se a gente teria já condições de dar a aprovação da vacina. A partir da aprovação, que nós chamamos de registro, essa vacina está autorizada a ser utilizada no Brasil, porque ela garantiu que os benefícios superam os riscos”.

TÂMARA: As vacinas elaboradas no exterior também precisam ser aprovadas pela agência. Mas aí as farmacêuticas só precisam pedir autorização para realizar os experimentos quando algum estudo clínico é feito aqui. Do contrário, elas apenas entregam esse dossiê detalhado para pedir o registro do imunizante.

Lembra, na pandemia de Covid-19, quando a gente acompanhou atentamente as decisões da Anvisa pra saber quais vacinas poderiam ser compradas pelo governo e aplicadas na população?

[TRECHOS DA REUNIÃO DA ANVISA QUE APROVOU AS PRIMEIRAS VACINAS CONTRA COVID-19 NO BRASIL]
“em 17 de janeiro de 2021 daremos início à primeira reunião extraordinária da diretoria colegiada”.
“Assuntos: solicitação de autorização de uso emergencial em caráter experimental da vacina covid-19”.
“Nós, servidores da agência, tivemos acesso aos dados completos do desenvolvimento vacinal, que permitem que a gente recalcule as eficácias alegadas pelas empresas”.
[TRECHO ACELERADO DE EXPLICAÇÃO TÉCNICA]
“A nossa conclusão: a gerência-geral de medicamentos recomenda a aprovação do uso emergencial, condicionada ao monitoramento das incertezas que a gente apontou aqui e uma reavaliação periódica para acompanhamento do desempenho da vacina”.
“(...) permitiu a essa relatoria concluir que, ressalvadas algumas incertezas existentes pelo estágio de desenvolvimento das vacinas em apreço, os benefícios conhecidos e potenciais superam os riscos”.
“Eu me dirijo ao cidadão brasileiro pra lembrar: confie nas vacinas que a Anvisa certifica. E quando elas estiverem ao seu alcance, vá e se vacine. Aprovados por unanimidade os itens 2.5.1 e 2.5.2 da pauta”.

TÂMARA: Essa reunião pública para dar o “sim” ou o “não” é apenas o ato final dessa avaliação minuciosa. Mas Meiruze conta que a contribuição da Anvisa pro Programa Nacional de Imunizações não acaba aí.

[MEIRUZE]“As vacinas continuam sendo monitoradas durante todo o seu ciclo de vida. E no Programa Nacional de imunização também tem sistemas específicos de monitoramento das reações adversas, a farmacovigilância, que manda essas informações também para a Anvisa. Faz-se um processo de investigação. Confirmou que é? É uma questão que precisa atualizar a bula? Precisa soltar alerta? É Preciso excluir, às vezes, um público-alvo da vacina? Esse acompanhamento não é feito só no Brasil. Olha também a aplicação que é feita em outros países . Quando a gente autoriza um produto, as reações adversas são sempre consideradas menores do que os benefícios. A maioria é considerada reação adversa leve. Se assim não fosse, a gente não autorizaria”.

TÂMARA: Acho que deu pra entender que a criação de uma vacina nunca é feita a toque de caixa, né? E, sim, as vacinas contra a covid-19, mesmo sendo produzidas em tempo recorde, também passaram por todas as fases de testes e foram examinadas tim tim por tim tim pelas autoridades sanitárias.

[EFEITO SONORO DE DÚVIDA]

Então como foi possível que elas começassem a ser aplicadas menos de um ano depois do surgimento dos primeiros casos, se as vacinas geralmente levam anos até chegar nesse ponto?

[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]

A diferença é que tudo parou durante a pandemia de covid-19 para que a gente conseguisse ter uma vacina e sobreviver.

Os laboratórios que produzem vacinas passaram a se dedicar integralmente a isso, aproveitando pesquisas que já estavam sendo feitas para combater doenças semelhantes. Da mesma forma, autoridades como a Anvisa criaram caminhos prioritários para avaliar todas as inovações relacionadas à pandemia.

Como a Isabela Ballalai disse lá no começo, nenhuma plataforma foi inventada do nada em um ano. A tecnologia do vírus inativado da Coronavac é a base de boa parte das vacinas usadas há décadas. E a proteína Spike, que é o ponto de partida tanto da vacina com adenovírus quanto da que utiliza RNA mensageiro, já estava sendo estudada há cerca de 20 anos.

Além disso, o estado de emergência global levou os cientistas a compartilharem seus resultados uns com os outros em um fluxo constante. E forçou governos, organizações e empresas a abrirem seus cofres com bastante generosidade. Mesmo em países como o Brasil, com um presidente da República que fez inúmeras declarações desacreditando a vacina e defendendo métodos sem comprovação científica para combater a doença.

[COLETÂNEA DE DECLARAÇÕES DE BOLSONARO CONTRA VACINA]
“Está bem claro lá no contrato. ‘Nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré é problema de você (sic), pô”.

“Nós jamais defenderemos a obrigatoriedade da vacina. Eu não tomei a vacina. Quem quiser seguir meu exemplo, que siga”.

“Hidroxicloroquina, ivermectina, não faz mal nenhum. O pessoal pergunta pra mim: ‘isso não tem comprovação científica’. E eu pergunto: o que tem no momento, no mundo, comprovado cientificamente pra combater o vírus?”.

“Querido governador de São Paulo, sou apaixonado por você, você sabe disso, poxa. Ninguém vai tomar tua vacina na marra não, tá ok? Procura outro”.

[TRECHOS DE NOTÍCIAS SOBRE COMPRA DE VACINAS CONTRA COVID-19 DURANTE A PANDEMIA]

“O presidente Jair Bolsonaro disse hoje que não vai comprar a vacina chinesa a ser produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo”.

“Carlos Murillo é o atual presidente regional da Pfizer na América Latina. Segundo ele, foram feitas três ofertas de venda da vacina. Todas previam entregas de doses ainda em 2020. O representante da Pfizer confirmou que, após fazer essas ofertas, sem respostas, a empresa enviou uma carta em setembro ao presidente Bolsonaro indicando interesse em chegar a um acordo, e confirmou também que, dois meses depois, continuava sem resposta”.

TÂMARA: Felizmente, muitas instituições brasileiras não incorporaram essa postura. A Fiocruz, por exemplo, que produz a vacina formulada pela Astrazeneca, adaptou uma planta industrial que já estava sendo construída para conseguir entregar as vacinas da covid o mais rápido possível. Mas vamos deixar o Maurício Zuma, diretor de Biomanguinhos, como é chamado o Instituto de Farmabiológicos da Fundação, contar essa história.

[MAURÍCIO ZUMA] “Para a produção de vacinas é importante se ter experiência e conhecimento acumulado. Quando nós estávamos procurando uma vacina para produzir, nós avaliamos diversas tecnologias. E a tecnologia do vetor viral era a que mais tinha conhecimento já internalizado em BioManguinhos. Esse foi um dos principais motivos da gente ter conseguido fazer o processo de transferência de tecnologia com bastante rapidez. Um outro motivo foi que nós tínhamos uma planta pra produção de um biofármaco também com uma tecnologia bastante parecida, e a adaptação dessa área foi bastante rápida. Em menos de 12 meses depois da assinatura do contrato, nós já estávamos produzindo a vacina desde o início”.

TÂMARA: Com essa fala, o Maurício faz um cruzamento e coloca a bola bem na linha do gol pra nossa próxima explicação: e depois que a vacina é criada e aprovada, como ela é produzida? A gente toca a bola de volta pra ele:

[ZUMA] “A produção das vacinas varia muito de acordo com a tecnologia que foi empregada no desenvolvimento daquela vacina. De uma maneira geral, nós temos duas grandes etapas: a primeira etapa é a produção do ingrediente farmacêutico ativo, o IFA. Nessa primeira etapa, é produzido o concentrado da vacina. A segunda etapa começa com a formulação desse concentrado e depois com as etapas de envasamento, rotulagem, embalagem e armazenamento do produto final. Por todas as etapas, a vacina passa por rígidos processos de controle de qualidade em todo o processo de produção. E inclusive no final no produto final para ela ser liberada.”

TÂMARA: Como o Zuma disse, cada vacina tem uma forma de produção diferente. Mas o coração de todas elas é o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que é a substância que vai provocar a reação imunológica no nosso organismo. Esse IFA concentrado é diluído e misturado com outras substâncias que vão conservar a vacina e deixar ela estável pra ser transportada e armazenada.

[EFEITO SONORO DE TRANSIÇÃO]

Pra você entender um pouco melhor o que acontece dentro das fábricas de vacinas, a gente vai pegar como exemplo a vacina da Influenza, que é produzida pelo Instituto Butantan.

São nada menos do que 21 etapas produtivas!

[EFEITO SONORO DE ESPANTO]

TÂMARA: Mas calma que a gente não vai falar em detalhes de todas elas, não.

[EFEITO SONORO DE ALÍVIO]

TÂMARA: Essa vacina é atualizada todos os anos pra proteger os brasileiros contra os três tipos de vírus que mais circularam no ano anterior no Hemisfério Sul. Quem verifica isso é a Organização Mundial da Saúde, que, lá pro mês de setembro, já avisa ao Butantan qual vacina ele terá que produzir no ano seguinte.

Então o Butantan encomenda a um laboratório de referência brasileiro uma cepa de cada um desses vírus. Ou recebe uma amostra importada, caso seja um tipo novo pra gente. E aí milhões de ovos entram em cena.

[CACAREJO]

TÂMARA: Ovos mesmo, de galinha, que a gente usa pra fazer omelete, sabe? Só que de origem controlada. A diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos, explica.

[FERNANDA BOULOS] “Esse vírus da influenza é inativado. E aí dentro do ovo se faz uma cultura para ele crescer. Essa cultura, desse vírus, dentro desse ovo, forma o que a gente chama de antígeno, e esse antígeno é retirado do ovo e vai para a produção da vacina. Um ovo dá cerca de três, quatro doses de vacina de influenza. Tudo isso pensando que é uma fábrica, então faz um, descontamina, faz o outro, descontamina, faz o outro… É tudo na mesma fábrica que é a fábrica de influenza. Depois, eles juntam esses três na mesma vacina e aí fazem todo o processo de estabilidade para que a gente saia com essa vacina trivalente. E depois de terminada a produção, essa vacina passa por todos os processos de análise de qualidade pra gente entender se a quantidade de cada um dos antígenos que tá dentro da ampola é o que a gente espera, é o que tá dentro das recomendações de bula.”

TÂMARA: E esses processos de controle de qualidade são extremamente rígidos. Pra se ter uma ideia, a formulação e o envase da vacina contra a covid-19 em Biomanguinhos levam só um dia. Mas os testes de controle de qualidade pós-produção demoram 2 semanas.

É esse cuidado que garante que todos os frascos são iguais e têm a mesma capacidade de produzir a resposta imunológica nas pessoas.

A Carla Wolanski é assessora da vice-diretoria em produção de Biomanguinhos. Ela explica que esses critérios alcançam cada uma das etapas de produção, mesmo antes da vacina começar a ser fabricada .

Quer um exemplo prático? Ouve a Carla contando o que é feito com as roupas que os funcionários dessas fábricas precisam usar:

[CARLA WOLANSKI] “Ele põe uma roupa estéril, e depois dele vestir essa roupa adequadamente, a gente vem com uma placa com meio de cultura e fazemos o que nós chamamos de plaqueamento. Então a gente verifica, encostando essa placa com meio de cultura na roupa desse colaborador e incubando, após cinco dias a gente vê se há crescimento de microrganismos ou não. Em tese, eu não posso ter crescimento de microrganismos, porque a roupa está estéril. E ele não pode ter pego na superfície externa dessa roupa com as mãos sem luvas, sem uma proteção. Então com isso eu garanto a esterilidade do meu produto.”

TÂMARA: Agora imagina a Carla, o Maurício ou a Fernanda ouvindo algumas pessoas dizerem que as vacinas têm substâncias tóxicas, chip com frequência 5G, ou ainda aquela fake news mais absurda de todas, que elas deixam uma marca diabólica em quem toma?

[EFEITO SONORO DE DECEPÇÃO]

Também não deve ser nada fácil pra Meiruze quando dizem que a tríplice viral causa autismo, ou que a vacina contra a covid-19 tá matando um monte de criança de inflamação cardíaca e as autoridades estão escondendo isso da população.

Acho que aqui cabe uma explicação sobre esses tais efeitos colaterais.

Sabe quando você tá com uma dorzinha de cabeça chata e toma um paracetamol pra resolver? Esse é o analgésico mais simples, vendido no Brasil sem receita, com um preço bastante acessível. Mas até ele, em casos raríssimos, pode provocar uma reação alérgica, urticária na pele, vermelhidão.

Porque todos os fármacos podem causar alguma reação, já que eles são testados em milhares de pessoas antes de serem vendidos, e algumas delas podem desenvolver sintomas. Isso tudo é documentado, e a estatística precisa constar nas bulas e ser monitorada.

Inclusive, há categorias para essas situações: no caso das vacinas, elas são chamadas de “eventos supostamente atribuíveis à vacinação”, quando não se sabe se têm relação com o imunizante, ou de “evento adverso”, quando essa relação for comprovada.

Por isso, nem todos os sintomas relatados pelas pessoas que tomaram a vacina da covid-19, por exemplo, foram causados pelo imunizante. Na maioria das vezes é só coincidência, ou até mesmo um dano da própria doença, já que muitas pessoas foram infectadas pelo coronavírus mesmo com a vacinação - apesar dela demonstrar altíssima proteção contra casos graves. Mas, como a Isabela Ballalai lembra, tudo vem sendo usado como gasolina pro fogo antivacina.

[EFEITO SONORO DE FOGO QUEIMANDO]

[ISABELA] “A miocardite ela acontece principalmente entre homens de 14 a 24 anos. A gente já falou isso 300 vezes. O que fizeram em relação à vacinação de crianças, os antivacinistas? Foi destruir a percepção de risco da doença para as crianças - “não é verdade, ela mata”- e dizer que a vacina causa miocardite. Nenhuma criança menor de 11 anos teve miocardite pela vacina aqui no Brasil, tá lá nos dados do Ministério da Saúde. É complicado, né? A percepção ela vale mais do que a ciência.”

TÂMARA: Então, pra ficar bem claro: ao contrário do que os antivacinistas dizem, a covid-19 também pode provocar casos graves em crianças. No ano passado, foram registrados mais de 310 óbitos de pacientes entre 6 meses e 5 anos de idade.

Por outro lado, nenhum efeito adverso grave da vacina foi verificado. As reações mais comuns são aquelas que as crianças podem ter com qualquer imunizante: febre, inchaço no local da aplicação, dor de cabeça… e todas são temporárias.

Mas, com certeza, a dor de perder um filho por uma doença que poderia ser evitada com uma simples vacina, oferecida de graça em qualquer posto de saúde do Brasil, dura uma vida inteira.

[ENTRAM OS CRÉDITOS COM MÚSICA DE ENCERRAMENTO NO FUNDO]

TÂMARA: O site do Ministério da Saúde (www.gov.br/saude) disponibiliza todos os calendários básicos, com a idade certa para tomar cada dose.

Esse foi o segundo episódio do Sala de Vacina, um podcast do jornalismo da Rádio Nacional e da Radioagência Nacional.

São cinco no total. Os episódios são encontrados no site radioagencianacional.ebc.com.br e também aqui nesta plataforma.

Ainda temos interpretação simultânea em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, tanto no Spotify como no YouTube.

Eu sou a Tâmara Freire, responsável pela ideia original, produção e reportagem da série. E contei com a colaboração de Vinícius Lisboa, repórter da Agência Brasil, para muitas dessas entrevistas.

Quem faz a edição e pós-produção até esse podcast chegar até você é a Sumaia Villela.

A identidade sonora e a sonoplastia do podcast são feitas pelo Jailton Sodré. A gravação é feita por Antony Godoy e a equipe de operação de áudio da EBC.

A coordenação de processos é da Beatriz Arcoverde.

A estratégia de publicação e a distribuição nas redes sociais são assinadas por Liliane Farias e Raíssa Saraiva. A identidade visual e o design são de Caroline Ramos.

Aliás, a gente gostaria de agradecer ao Darlan Rosa por generosamente autorizar o uso da sua maior criação, o Zé Gotinha, na identidade visual do Sala de Vacina. A gente é fã do seu personagem, Darlan, muito obrigada!

Um salve também para o pessoal da redação do jornalismo em Brasília, que atuou por um dia para fazer os coros de espanto e alívio que viraram nossos efeitos sonoros.

Voltando para os créditos: a equipe da EBC faz a interpretação em Libras, com direção de vídeo de Lorena Veras e captação de imagem de Daniel Hiroshi. A montagem da versão em vídeo é de Felipe Leite e Fernando Miranda.

Esta série tem fins jornalísticos e utilizou trechos de arquivo da TV Senado, Jornal da Record, transmissões ao vivo do governo federal na TV Brasil e lives do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Agora que você já sabe que a vacina é segura e a diferença que ela fez no mundo, está na hora de conhecer a história da vacinação no Brasil e do nosso Programa Nacional de Imunizações, que completou 50 anos no dia 18 de setembro. Não perde,hein?

[MÚSICA DE ENCERRAMENTO]

No dia 17 de janeiro de 2021, a Anvisa aprovou, por unanimidade, o uso emergencial das duas primeiras vacinas que seriam aplicadas no Brasil contra covid-19: a CoronaVac, do Instituto Butantan e da farmacêutica chinesa Sinovac; e o imunizante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceira com o consórcio Astrazeneca/Oxford.

 

 

 

Ideia original, produção, roteiro e reportagem: Tâmara Freire
Apoio à produção: Vinícius Lisboa
Edição, pesquisa de mídia histórica, montagem e pós-produção: Sumaia Villela
Identidade sonora e sonoplastia: Jailton Sodré
Operação de áudio: Antony Godoy e equipe da EBC
Coordenação de processos: Beatriz Arcoverde
Estratégia de publicação e distribuição nas redes sociais: Liliane Farias e Raíssa Saraiva
Identidade visual e design: Caroline Ramos
Implementação na Web: Sumaia Villela e Lincoln Araújo
Interpretação em Libras: Raquel Melo
Direção de vídeo: Lorena Veras
Captação de imagem: Daniel Hiroshi
Montagem da versão em vídeo: Felipe Leite e Fernando Miranda
Áudios da reunião da Anvisa: transmissão da TV Brasil
Sonoras e notícias sobre vacina e Bolsonaro: TV Senado, Jornal da Record, transmissões do governo federal na TV Brasil e lives do ex-presidente Jair Bolsonaro
Agradecimento: a Darlan Rosa, por generosamente autorizar o uso de sua criação, o Zé Gotinha, na identidade visual deste podcast
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