logo Agência Brasil
Saúde

Falar de sífilis sem preconceitos é tema de exposição em Niterói

Para curador, dados da doença no país são de calamidade e negligência
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 01/04/2023 - 10:35
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ) - Exposição sobre sífilis na AMF. Foto: Thiago Petra/Divulgação
© Thiago Petra/Divulgação

Espaço cultural recém-inaugurado pela Associação Médica Fluminense (AMF), em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, apresenta, no momento, a exposição "Sífilis: precisamos falar mais, sem preconceitos", unindo história, ciência e arte. A mostra tem curadoria do professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF), médico e pesquisador em infecções sexualmente transmissíveis (IST), Mauro Romero Leal Passos.

Em entrevista à Agência Brasil, Passos explicou que, na verdade, a exposição é um desdobramento de outra mostra, da qual ele também foi curador emérito, realizada no Paço Imperial, no centro da cidade, entre novembro de 2021 e fevereiro do ano passado. “Ainda tinha um pouco de pandemia. Nós fizemos várias peças exclusivas, como um forno, porque, no século 16, acreditava-se que aquecendo o indivíduo com sífilis, matavam-se as bactérias.”

A exposição ganhou agora um novo espaço na sede da AMF. A sífilis é uma IST curável e exclusiva do ser humano, causada pela bactéria Treponema pallidum. O nome da doença foi tirado do poema épico escrito em 1530 por Girolamo Fracastoro. Foi feita para a mostra uma réplica do busto de Girolamo. Há também uma ampola de penicilina da década de 1940, uma ampola de Neosalvarsan, que é um composto organoarsênico que se tornou disponível, em 1912 e substituiu o Salvarsan mais tóxico e menos solúvel em água como um tratamento eficaz para a sífilis, entre outras peças.

Os instrumentos são expostos junto com réplicas em tamanho natural de quadros de grandes artistas da história da arte, entre os quais Toulouse-Lautrec, Rembrandt, Edward Munch, que abordaram temas ligados à sífilis em suas obras. “A gente vai apresentando a exposição junto com determinadas características e falando sobre o livro do Girolamo Fracastoro, que apresenta a única versão do poema latino em português. Enfim, uma série de peças que debatem a arte, a ciência e a história da sífilis.”

Quadro atual

Na avaliação do médico Mauro Romero Leal Passos, o quadro da sífilis no Brasil é de “calamidade. É um quadro que mostra que o estado do Rio de Janeiro tem número elevado de óbitos de crianças, em decorrência da sífilis congênita. São mais de 300 óbitos por sífilis”.

Passos acredita que o número deve ser muito maior devido à sub-notificação. Explicou que a meta a ser perseguida é de 0,5 caso a cada mil crianças nascidas vivas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada 8 mil nascidos vivos por ano, pode-se ter 4 casos de sífilis congênita.

“Uma doença fácil de diagnosticar e de tratar tem esse volume de sífilis congênita. Isso tem um nome que se chama má qualidade de pré-natal, ou pré-natal mal feito, que é o que o mundo todo aponta. País que tem pré-natal bem-feito tem taxa de sífilis congênita abaixo de meio caso por mil nascidos vivos, como França, Itália, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Cuba, que foi o primeiro país do mundo a eliminar a sífilis congênita”. Para o médico, os dados no Brasil são de calamidade, de negligência.

A sífilis congênita é adquirida da mãe que foi contaminada por alguém. “Se ela não faz o tratamento em tempo hábil, é caso de sífilis congênita.” O tratamento básico para eliminar a sífilis congênita é o tratamento da mãe. “Isso não quer dizer que a gente não tenha que tratar a parceria sexual. Mas, primariamente, tem que tratar a gestante, a mãe. Esse é o foco maior”. É necessário também evitar que os homens contraiam a sífilis, por meio do sexo seguro, com uso de camisinha, para não contaminar as parceiras.

Indicadores

De acordo com os indicadores do Ministério da Saúde, o número de gestantes com sífilis, entre 2005 e 2022, alcançou 535.034, sendo o maior número da série observado em 2021, com 74.095 casos. Em 2022, foram 31.090. A taxa de detecção em 2021 foi de 27,1 gestantes por mil nascidos vivos.

Em relação à sífilis congênita em menores de um ano, o total no país foi de 293.339 entre 1998 e 2022, com o maior número registrado em 2021: 27.019. Também foi mais alta nesse ano a taxa de incidência de 9,9 casos de sífilis congênita em crianças menores de um ano por mil nascidos vivos. No estado do Rio de Janeiro, foram 25.124 casos no mesmo período analisado.

No que se refere a óbitos por sífilis congênita em menores de um ano, a série revela total de 2.886 casos de 2000 a 2021, no país. O maior coeficiente bruto de mortalidade por 100 mil nascidos vivos foi 8,9, encontrado em 2018. O estado do Rio de Janeiro apresentou, no mesmo período, 366 óbitos por sífilis congênita em menores de um ano.

Educação e saúde

O curador avaliou que a exposição é uma atitude para mostrar que o país precisa ter um processo de educação em saúde. “E educação passa por cultura”. Ele considera que a exposição é uma oportunidade única de a população aprender sobre a história da sífilis e desmistificar preconceitos em torno da doença.

A exposição já está aberta para visitação gratuita do público e ficará em cartaz até junho deste ano. O espaço cultural da AMF funciona durante o horário comercial e recebe escolas. O endereço é Avenida Roberto Silveira, 123, Icaraí, Niterói. Único espaço voltado para saúde e cultura na cidade, foi montado para receber uma programação diversificada de exposições e eventos.