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Saúde

Pediatras pedem atenção para a saúde de crianças e jovens indígenas

Nutrição e prevenção à violência também são abordados no documento
Alana Gandra -Repórter da Agência Brasil*
Publicado em 09/08/2023 - 19:40
Rio de Janeiro
Boa Vista (RR), 13-02-2023, Mulher yanomami alimenta o filho em rede no acampamento montado às margens da BR-174 onde vive a família. Eles contam que andaram mais de 10 dias para chegar em Boa Vista.
© Rovena Rosa/Agência Brasil

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou nesta quarta-feira (9) a "Carta de Manaus: Em Defesa da Saúde da Criança e do Adolescente Indígena". O documento estabelece cinco eixos de debates, alinhados com as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que definem prioridades de atuação para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes indígenas, bem como de suas famílias. Além da questão da saúde, o texto pede atenção e medidas de prevenção à violência contra os menores indígenas.  

O documento foi construído a partir de discussões do 9º Fórum Nacional em Defesa da Saúde da Criança Indígena e do 1º Fórum de Saúde da Criança e do Adolescente Indígena da Região Norte, realizados em junho, e divulgado hoje, Dia Internacional dos Povos Indígenas. A Carta será encaminhada aos ministérios da Saúde e dos Povos Originários.

Em entrevista à Agência Brasil, a pediatra Maria Angélica Svaiter, membro do Grupo de Trabalho sobre Saúde dos Povos Originários da SBP, informou que foram convidados a participar dos fóruns representantes de diferentes povos indígenas. “Em razão do que estava acontecendo com a população indígena, nós achamos que seria certo que ouvíssemos as pessoas que vivem aquele momento mais de perto”, disse. 

Direito à vida

O primeiro eixo da Carta trata do direito à vida, que exige cuidados desde a concepção até o direito de viver de forma digna. Dentre vários aspectos, a garantia de território é um direito à saúde, pois representa a possibilidade de plantio de alimento, além de cuidados com a não contaminação da água e dos peixes.

Maria Angélica Svaiter destacou que deve ser implantada a política de saúde da mulher e da criança, respeitando a ECA, mas sempre dentro das palavras dos indígenas. “Para isso, nós precisamos das pessoas lá de dentro. Precisamos que eles sejam treinados e levem isso tudo para as comunidades”. Ela ressaltou a necessidade de formação de profissionais que atuem na saúde dos povos originários e sejam oriundos das próprias aldeias, cuja importância seja reconhecida pelos demais. “Claro que vai ter participação de parteiras, de pajés, mas que eles sejam orientados para tudo isso”.

A pediatra da SBP lembrou das crianças Yanomamis que morreram no início deste ano no Norte do país, por desnutrição, fome, pneumonia e diarreia. Por isso, a entidade defende o direito à vida dos povos indígenas brasileiros. “Nós tínhamos que nos manifestar de alguma maneira. A SBP pretende continuar esse trabalho para que os indígenas tenham uma melhora sistêmica de saúde”.

A Carta de Manaus salienta que “o cuidado com a saúde necessita ser preventivo e não somente curativo, daí a necessidade de reconhecer na medicina as peculiaridades da saúde indígena respeitando sua cultura e criando ferramentas (cartilhas) de educação e informação com linguagem voltada à sua cultura; assegurar às mulheres indígenas o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e planejamento familiar adequados, com atenção humanizada ao parto e ao puerpério e o atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Atenção e Imunização

Um dos desafios da rede de atenção à saúde indígena é a formação dos profissionais da saúde que não estão familiarizados com a cultura dos povos indígenas. Maria Angélica afirmou que muitos médicos da região, inclusive indígenas, se formam, mas não retornam, em função dos salários defasados. 

A Carta reforça que os estabelecimentos de assistência à saúde indígena nem sempre apresentam boas condições de trabalho, além de oferecerem salários defasados aos trabalhadores. Há poucas iniciativas de inclusão no mercado de trabalho de profissionais indígenas que regressam para suas terras após a graduação e qualificação.

A pediatra afirmou a necessidade de articulação com entidades dos três níveis de governo para que as políticas públicas de saúde cheguem às populações indígenas, como o programa de imunizações e a caderneta de saúde da criança e do adolescente. “Que a gente tenha um profissional de saúde na estratégia da atenção básica de saúde. Para isso, a gente precisa formar esse profissional e que ele tenha um salário digno”.

Violência

Maria Angélica admitiu que a violência e os maus tratos contra crianças e adolescentes são subnotificados em todas as regiões do país. Disse, inclusive, que existem aldeias que não respeitam em absoluto a ECA. “Eu acho que a gente tem que fortalecer essas políticas públicas e as estratégias de proteção e segurança. Porque tem que ter a prevenção a essas injúrias”. Segundo a médica, não se pode admitir que crianças que nascem prematuras, por exemplo, não tenham direito à vida; ou que crianças e jovens sofram maus tratos, dentre as quais a violência sexual.

Para que haja desenvolvimento saudável, é preciso fortalecer as políticas públicas e as estratégias de proteção e segurança. “Se nós não começarmos, isso nunca vai ter solução”. Para a pediatra, a saúde indígena deve ser incluída nos currículos universitários para que os estudantes tenham noção do que ocorre antes de se formarem. É preciso ainda divulgar as políticas do Ministério da Saúde, porque se referem à saúde humana, como aleitamento materno, reidratação oral, porque são essas políticas que salvam a vida na infância. 

Adolescente

No eixo relativo ao adolescente, a Carta defende a garantia do acesso à educação e à saúde contínua e de qualidade. O documento destaca ainda que a atenção à saúde do adolescente indígena precisa envolver outras frentes, como a educação, cultura, assistência social e formação profissional para o trabalho. 

Maria Angélica Svaiter considera que esse é um dos pontos mais difíceis porque inclui a violência sexual. Segundo ela, a atenção à saúde do adolescente indígena necessita englobar vários setores, entre os quais saúde, educação, cultura, assistência social e formação profissional para o trabalho.

Há necessidade de maior investimento na saúde mental, na educação sexual e reprodutiva, bem como intensificar as ações de prevenção de todas as formas de violência, em especial a violência sexual contra os adolescentes de ambos os sexos. A pediatra comentou também sobre a importância do preparo de professores que conheçam a linguagem e os costumes dos povos indígenas, mas que tenham qualificação profissional para poder colocar esse tipo de ensino nas comunidades. 

“Articulações devem ser feitas, bem como parcerias, entre as esferas municipal, estadual e federal para que se consiga colocar pessoas com ‘expertise’ para passar as informações para os indígenas da melhor maneira possível, principalmente o adolescente”.

Nutrição

O quinto e último eixo da carta se refere à nutrição: como estimular a alimentação saudável de acordo com a cultura e costumes dos povos indígenas.

A Carta destaca que uma nutrição adequada desde a concepção é essencial para o crescimento das crianças e a promoção de adultos saudáveis. “Os povos indígenas vêm sofrendo com problemas nutricionais que impactam sobremaneira nas crianças, tornando imperativa a implantação de políticas públicas que forneçam suporte nutricional balanceado para sua recuperação, bem como de estratégias que visem à prevenção dos distúrbios nutricionais”.

A pediatra reforçou que a política nutricional deve ser implantada atendendo à cultura e aos costumes das comunidades. “A gente tem que mantê-los na sua própria alimentação, mas que ela seja saudável. Eles têm a agricultura, a piscicultura, agropecuária próprias. E se tiverem o local deles, vão viver bem. Mas se tiverem seus territórios contaminados, eles não vão ter saúde”.

Na Carta, os pediatras pedem investimento em parcerias com faculdades de medicina, de nutrição, de agronomia, de agropecuária e de piscicultura, por exemplo, porque são importantes para garantirem o alimento de qualidade com todos os micro e macronutrientes necessários para o pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes indígenas, durante todos os períodos climáticos do ano, respeitando os hábitos alimentares e a palatabilidade de cada povo.

“Ao promover a inclusão e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes indígenas e suas famílias, a SBP e os participantes do Fórum realizado em Manaus entendem que contribuirão para o fortalecimento das comunidades indígenas do Brasil como um todo”. De acordo com a SBP, essas crianças e adolescentes fazem parte do futuro do país e “têm o direito de crescer em um ambiente que valorize suas identidades e os preparem para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, sem perder suas raízes culturais”. 

A íntegra da carta pode ser lida no Site da SBP

 

*Colaborou Bruno Bocchini, de São Paulo