Assaltos e violência preocupam moradores de antiga colônia para hansenianos
A fé em Nossa Senhora Aparecida foi o que Alvinho Gonçalves, de 76 anos, acredita tê-lo livrado de um assalto na própria casa, há pouco mais dois meses. Ex-interno do antigo hospital-colônia Tavares de Macedo para pessoas com hanseníase, em Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro, ele decidiu não correr mais risco nenhum e colocou grades em portas e janelas.
Situações de violência têm se tornado frequentes na comunidade no entorno da unidade – que hoje funciona como hospital-geral –, o Hospital Estadual Tavares de Macedo, onde moram 160 idosos remanescentes do tempo de internação compulsória. Na época, uma colônia para centenas de hansenianos funcionava com uma cidade para os aqueles em tratamento, que não podiam sair, por causa do risco de contágio. Hoje, com tratamento adequado, a hanseníase não é transmissível e as pessoas podem tomar remédios de suas casas.
A antiga colônia, que hoje reúne cerca de 9 mil pessoas em 950 mil metros quadros, tem vivenciado furtos e assaltos. Segundo uma das lideranças locais e ex-interna – que preferiu não se identificar – os ataques acontecem quando os idosos voltam do banco ou quando deixam a casa vazia. “Eles [ladrões] ficam vigiando, esperando, principalmente, na porta do banco”, contou.
Nos primeiros meses do ano, outro crime chocou os moradores, quando uma senhora de mais de 60 anos sofreu violência sexual de um grupo de cinco homens encapuzados. A vítima não fala sobre o assunto, mas os vizinhos confirmam a versão, que não foi registrada em delegacia de polícia, segundo informou, em nota, a Polícia Militar do estado.
“Invadiram a residência dela, no começo do ano”, disse uma moradora. “Eu fiquei apavorada quando soube, mas não entro em detalhes, a situação é muito delicada”, completou.
Na avaliação dos moradores, é necessária a instalação de um posto policial na comunidade, em frente a uma das localidades mais violentas de Itaboraí, conhecida como “Reta Velha”, tradicional ponto de venda de drogas. Por causa da proximidade, moradores também contam que traficantes, eventualmente, transitam na ex-colônia.
Fundada em 1936, a colônia para pessoas com hanseníase funcionou até a década de 1980 sob administração do Hospital Tavares de Macedo. Hoje, conta com apenas dois vigias, responsáveis exclusivamente pela segurança patrimonial e dos servidores da unidade – que funciona como hospital geral. Os antigos pacientes acabaram permanecendo, nas casas da vila e nos antigos pavilhões de internos. Cerca de 20 idosos moram na enfermaria, por terem sequelas.
Grades e fé
Com poucas condições de reagir, os idosos debilitados da unidade, como Alvinho, se apegam à própria fé e aos recursos que estão ao alcance. “Peguei um empréstimo e coloquei grade aqui tudinho. Antes, você podia me ver sentado no muro aí da frente, agora, eu fico aqui trancado”, desabafou. “Aqui você não vê patrulha nenhuma”, reclamou.
No dia em que os ladrões invadiram casa dele e tentaram estrangulá-lo no sofá, uma pequena luz, de dentro da estátua da Nossa Senhora, de acrílico, piscou sozinha, assustando os bandidos, que fugiram.
O problema da falta de segurança é antigo e depende que o governo do estado, a prefeitura e a diretoria do hospital se juntem para oferecer serviços públicos, defende o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).
Por falta de compreensão sobre o fim da antiga colônia e dos limites da atuação da segurança privada, do hospital, a própria Polícia Militar não é atuante, avalia a professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Carly Machado, que pesquisa as antigas colônias.
“A falta de clareza sobre a atribuição dos órgãos públicos em uma área que ainda é tida como 'supostamente hospitalar', apesar da regularização fundiária, acaba deixando a população desassistida. A segurança patrimonial não pode atuar como segurança local, seria quase que uma milícia privada”, criticou a antropóloga, sobre Tavares de Macedo.
Prefeitura
O atual prefeito da cidade, Helil Cardozo, conhece as condições do local, mas conta que não consegue ajuda do governo do estado para combater o crime. “Eu já pedi até UPP [unidades de polícia pacificadora] para ali, mas nunca veio nada”, afirmou.
A Polícia Militar, no entanto, respondeu, em nota, que uma equipe de policiais faz o patrulhamento nas proximidades, “não tendo registrado ocorrências na região recentemente”.
Antigo hospital-colônia de Itaboraí (RJ)