Ciganos pedem respeito e inclusão em políticas públicas
“O que estamos reivindicando? Tudo”. É assim que o cigano Carlos Calon resume as demandas do povo itinerante. Integrante do Centro de Estudos e Discussões Romani, Calon é uma das lideranças ciganas que participam da 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), realizada desde a última segunda-feira (28), em Brasília.
Em meio às discussões de propostas de enfrentamento ao racismo e outras formas de preconceito, os ciganos marcaram presença com sua cultura e também com várias pautas negligenciadas há décadas pelo Poder Público. “O mais importante para nós é saúde, educação, território e respeito, o governo municipal não nos respeita, não nos atende, não nos vê”, protestou Carlos Carlon.
A invisibilidade é expressa na falta de dados atualizados sobre a comunidade cigana no Brasil. O último levantamento foi feito em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naquele ano, o instituto registrou a existência de acampamentos ciganos em 22 estados brasileiros. Algumas estimativas apontam que vivem no Brasil de 600 a 800 mil ciganos, mas as comunidades acreditam que o número é muito maior.
“É um povo esquecido. A gente chegou no Brasil em 1574, então são mais de 400 anos de anonimato. O nosso objetivo é ser reconhecido como brasileiros de origem cigana, porque querendo ou não a gente fez parte da construção desse país. E o Estado não sabe quem somos, onde estamos e muito menos quanto somos”, critica Maura Piemonte, cigana da etnia Calon.
Segundo Maura, que também integra a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, praticamente 90% do povo Calon é analfabeto. “Gera desemprego, problemas de saúde, dependência, fica o povo ocioso, abandonado a sua própria sorte”, completa a cigana.
Maura também trabalha para desenvolver políticas específicas para as mulheres ciganas, principalmente para protegê-las de situações de violência. “Um dos meus maiores objetivos é empoderar a mulher cigana, porque quem sofre mais é a mulherada dentro da barraca. É muito difícil você estar de madrugada e a polícia invadir seu acampamento, botando fogo, jogando as comidas fora. É doloroso e não temos para onde correr, não adianta um cigano ir para porta da delegacia reclamar, porque ele vai preso”, relata.
O assunto foi debatido no início desta semana na Procuradoria-Geral da República, que recomendou, por meio da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, que o IBGE inclua os ciganos no próximo Censo demográfico e nas pesquisas de informações básicas municipais. O Ministério Público argumenta que a falta de dados prejudica a elaboração e aplicação, pelos gestores públicos, de políticas específicas para o povo cigano.
Esta semana, os grupos ciganos ainda participaram de audiência pública no Senado Federal na qual pediram a aprovação do Estatuto do Cigano. O projeto destaca o dever do Estado de garantir aos ciganos igualdade de oportunidades no acesso às políticas de desenvolvimento econômico e social, em todas as áreas, como saúde, educação, trabalho, moradia e cultura.
Ciganos da etnia Rom também reforçaram o pedido por respeito e inclusão. “Nós temos que inserir a história do cigano na história do Brasil, porque aí a criança aprende a respeitar”, sugere o cigano Mio Vacite, presidente da União Cigana do Brasil.
Plano Nacional
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos confirma que há carência de atenção do Poder Público à questão cigana e escassez de dados referentes a esses povos. O governo tem registro da existência de povos das etnias Calon, Rom e Sinti. Nem todos são nômades. Alguns vivem em acampamento e ranchos como os Calon.
Pequisa do IBGE mostra que, do total de 5.570 municípios brasileiros, 195 declaram que executam programas e ações para ciganos. Segundo o ministério, desde 2011, mais de 13 mil famílias ciganas foram incluídas no Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal para receber o benefício do Bolsa Família.
Em 2016, o ministério instituiu, por meio da Seppir, o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, que tem entre as ações prioritárias os serviços de documentação e registro civil dos ciganos, capacitação de defensores públicos, inclusão em políticas sociais e de infraestrutura, como o Minha Casa, Minha Vida e o Luz para Todos, além de projetos de regularização fundiária e de valorização da cultura cigana.
“Os ciganos ainda estão lutando por políticas que já conseguimos para a população negra. Para você ter uma ideia, foi só a partir de 2016 que esta secretaria criou o Plano Nacional de Políticas para os Povos Ciganos. O nosso embate também é por uma mobilização no Congresso Nacional para a aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos, como temos o Estatuto da Igualdade Racial”, destacou o secretário da Seppir, Juvenal Araújo.
Conapir
Além dos ciganos, indígenas, grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais (LGBT's) e religiosos de matriz africana se reúnem na 4ª Conapir desde a última segunda-feira (28). Os diferentes grupos étnicos e de minorias discutem junto a especialistas, pesquisadores de várias áreas e gestores públicos estratégias de enfrentamento ao racismo e outras formas de discriminação racial e étnica.
O evento termina hoje (30) com a divulgação de um documento com todas as propostas levantadas durante os debates. A Conapir deste ano teve como tema “O Brasil na Década Internacional do Afrodescendente”, com destaque para os temas de reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade de direitos. O evento foi organizado pelo Conselho Nacional de Promoção das Políticas de Igualdade Racial (CNPIR), com apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).