Comitiva da CIDH recebe relato sobre execuções de maio de 2006 em SP
Integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em visita de inspeção ao Brasil, receberam nesta quinta-feira (08) o relatório final da pesquisa Violência de Estado no Brasil: uma análise dos Crimes de Maio de 2006, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O documento relata evidências de execução sumária em 60 assassinatos ocorridos de 12 a 20 de maio de 2006, apenas na Baixada Santista, e aponta ainda falta de investigação dos crimes.
Conforme outros documentos já enviados à CIDH, naquele período, mais de 500 pessoas foram executadas no estado de São Paulo, sendo que, oficialmente, ao menos 124 delas foram mortas pela polícia. Os casos foram registrados como resistência seguida de morte. Segundo a denúncia encaminhada à entidade, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), houve uma “operação de extermínio” contra moradores de bairros da periferia, alteração das cenas dos crimes e ocultação de provas.
Nesse mesmo período, 59 agentes públicos foram mortos em todo o estado e 13 sofreram ferimentos. Na Baixada Santista, foram assassinados 53 civis e 7 agentes de segurança, de acordo com o estudo da Unifesp. As mortes ocorreram após ataques do Primeiro Comando da Capital contra policiais. Em resposta, agentes do Estado e grupos de extermínio saíram às ruas para retaliação.
Fundadora do Movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva – que teve o filho assassinado no massacre de 2006, que ficou conhecido como Crimes de Maio – esteve na reunião e pediu ajuda para que os casos sejam apurados e que os culpados sejam penalizados.
“As mães têm que se levantar para dizer que não é natural o Estado achar que é dono da vida dos nossos filhos. Porque ser pobre não é crime, eles estão querendo criminalizar a pobreza matando nossos filhos. Nós não vamos admitir. Eu quero que a Comissão [Interamericana de Direitos Humanos] diga para esse país que as mães têm legitimidade de lutar”, disse Débora. “Ou eles param de matar nossos filhos ou a gente vai continuar [lutando] mesmo que tiver um fuzil apontado na nossa cabeça”, afirmou.
Grupos de extermínio
A professora da Unifesp Raiane Assumpção, que apresentou o documento, disse que os dados mostram participação de grupos de extermínio com forte suspeita de serem integrados por agentes públicos. Segundo ela, a responsabilidade pelas investigações recaiu sobre a família das vítimas. “Essa violência de Estado se dá tanto pela forma de execução, como pela superficialidade ou ausência de investigação. Pelo relato dos familiares, em todos os casos, era solicitado aos familiares apresentar as provas e testemunhas dos crimes”.
A requisição de informações aos parentes é típica de crimes em que a suspeita recai sobre agentes do Estado. Este foi o caso de Maria José Paula Alves, que teve o filho Abner Alves Benedito, de 20 anos, assassinado por policiais militares em fevereiro do ano passado. Foram mais de 20 disparos de arma de fogo contra o carro em que o jovem estava. “Todas as provas que tem, eu é que estou levando, estou correndo”, disse ela.
De acordo com relato da mãe, os policiais acusaram, no boletim de ocorrência, que o carro em que o jovem estava era roubado. “Até o carro do meu filho, falaram que era roubado. Não era, eu tenho provas aqui. Os documentos estavam no carro. Mandaram o carro para Mairinque, para sumir as provas. Eu peguei o carro, está todo sujo de sangue, está furado. Eu tenho os projéteis guardados na minha casa. Eu tenho as fotos do carro, dos objetos dele”, contou.
Vice da CIDH
Após ouvir depoimentos de mães de jovens assassinados por policiais militares, a vice-presidente da CIDH, Esmeralda Arosemena, considerou as falas impactantes, não só pelas denúncias de assassinatos, mas pelo sentimento de impunidade das famílias e pela falta de resposta sobre os crimes.
“Não podemos desistir, não podemos deixar a luta. Mas eu sei que é muito difícil, diante da realidade que enfrentam com a Justiça, com os responsáveis por proteger [os cidadãos], e sentir que essa não é a resposta que estão dando. Em vez de proteger, pelo contrário, exercem toda forma de violência, que inclusive implica perda de vidas”, disse Esmeralda.
No entanto, a vice-presidente lamentou que a comissão não possa investigar diretamente os casos. “Oxalá pudéssemos investigar, oxalá pudéssemos ter uma força, [mas] não é assim. Temos limitações para o exercício do nosso trabalho, mas temos mecanismos para atuar [no pedido de respostas pelo Estado]”, explicou.