Estrutura da USP é insuficiente para tratar da violência contra mulher
A Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, enviou ofício à Universidade de São Paulo (USP) com recomendações sobre políticas destinadas a prevenir, apurar e punir casos de violência contra mulheres ocorridos em âmbito universitário. No ofício, enviado no mês passado, a defensoria pede uma reunião dentro de um prazo que se encerra em 25 de março.
A defensoria reconhece que há ações relevantes na universidade nesse quesito, no entanto avalia que as estruturas e medidas atuais dentro dessa política são insuficientes, conforme explicou a defensora Pública Nálida Coelho Monte, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria (Nudem), e uma das responsáveis pela recomendação.
“Consideramos que os órgãos eram insuficientes porque têm, na verdade, só o Escritório USP Mulheres, que é um órgão extremamente interessante, fruto de uma campanha entre a USP e a ONU [Organização das Nações Unidas]. Só que o objetivo central desse órgão é principalmente fazer pesquisas sobre o assédio na universidade, propor alteração de currículo para alunos abordarem gênero e direitos humanos na universidade, realizar pesquisas sobre ocorrência de assédio na universidade e realizar eventos de educação, que possuem caráter preventivo”, explicou.
Conforme o ofício, não há órgão paritário que possa atuar de forma centralizadora e integral nessas situações, por meio de mecanismos de prevenção, responsabilização, assistência à vítima, reparação e monitoramento das denúncias.
O ofício aponta ainda que o protocolo da Superintendência de Assistência Social da USP (SAS) para casos de atendimento da violência de gênero contra mulheres “limita-se a estabelecer um protocolo de acolhimento, encaminhamento e acompanhamento de mulheres em situação de violência, sem tratar da apuração do fato e de eventual responsabilização do autor da violência”.
“Isso é extremamente importante, [o protocolo] ser voltado para acolhimento da vítima, mas, ao mesmo tempo, ele não tem a descrição - nem nele, nem em nenhuma outra legislação da USP, nem no Estatuto da USP, nem no código de ética, nem no Regimento Interno, nem do Regimento Geral da USP - de como se dá o procedimento de apuração e de responsabilização do autor nesses assédios”, disse.
De acordo com a defensora, o protocolo é aplicado apenas no âmbito da SAS, e não em outros órgãos da universidade que também recebem denúncias. “E esses órgãos não são regulamentados, não possuem protocolos de atendimento aos estudantes. Por isso que a gente considerou que as estruturas existentes eram insuficientes.”
Outro apontamento feito pela defensoria, no ofício, é que a “violência contra a mulher, quando praticada no ambiente universitário, agrega efeitos danosos que superam as violações à saúde e à segurança das vítimas, pois comprometem também o desenvolvimento de suas plenas capacidades acadêmicas e científicas”. Diante disso, a defensora defende ainda a ampliação das políticas de assistência às vítimas na universidade e recomenda medidas que considera importantes de serem implementadas na universidade.
“Essas medidas são principalmente de caráter acautelatório, por exemplo, o afastamento do autor do fato se ele frequentar o mesmo ambiente que a vítima; se a vítima precisar, que as faltas dela estejam abonadas; cursar disciplinas de forma remota ou domiciliar; se precisar de algum outro tipo de incentivo como inserção em programas de iniciação científica ou de bolsa para que não abandone a universidade como consequência da violência sofrida; assistência jurídica para ter informações acerca do procedimento; assistência psicológica para reparar os danos da violência”, recomenda.
Segundo Nálida Coelho, a USP ainda não agendou reunião nem confirmou o recebimento do ofício. “A reunião seria para gente debater os pontos da recomendação e tentar chegar a um ajuste de um modo extrajudicial, sem precisar de uma ação judicial, sobretudo estabelecer um cronograma para que a USP possa sinalizar para gente que pontos da recomendação estaria disposta a atender de forma espontânea, determinando também um calendário um cronograma para adoção dessas medidas. Porque do contrário há a possibilidade da gente ajuizar”.
O ofício é resultado de averiguação realizada pela defensoria, por meio da instauração de procedimento administrativo, após receber denúncias de um coletivo de estudantes da USP de que havia omissão e despreparo da universidade em relação às denúncias de violência de gênero. No documento enviado à USP, a defensoria expõe que a violência contra a mulher no ambiente universitário se manifesta de diversas formas, como na relação docente-discente, nos trotes e dos “hinos”, e em diversos ambientes, incluindo salas de aula, repúblicas e nos alojamentos estudantis.
A Universidade de São Paulo (USP) não confirmou o recebimento do ofício nem comentou sobre a realização da reunião. Em nota, a universidade disse que o Escritório USP Mulheres, criado em 2016 e ligado à reitoria, desenvolve ações e projetos voltados para a igualdade de gênero e empoderamento feminino na universidade.
“Além de realizar palestras, treinamentos, campanhas de conscientização e pesquisas, o escritório também faz parte de uma rede de acolhimento a vítimas de agressão e assédio, formada por outros serviços da USP, coletivos e órgãos públicos”, diz a nota, acrescentando que, em 2020, uma parceria do escritório com a Superintendência de Assistência Social (SAS) criou um protocolo para atendimento a vítimas de violência de gênero na USP.