Reação do governo turco à tentativa de golpe ameaça direitos, diz pesquisadora
Passada uma semana da tentativa de golpe militar na Turquia e um dia após a decretação do estado de emergência no país pelos próximos três meses, o presidente Recep Tayyip Erdogan tem endurecido as restrições de direitos e a situação pode se agravar, na avaliação da professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Mónica Ferro.
Segundo a pesquisadora portuguesa, a redução gradual de direitos na Turquia ocorre há alguns anos, mas foi aprofundada após a tentativa de golpe. “No rescaldo dos últimos acontecimentos, houve um aumento das medidas de limitação desses direitos: os ataques à liberdade de informação - 34 jornalistas acabam de ver revogada sua carteira profissional e alguns veículos foram impedidos de continuar a trabalhar. Além das detenções e demissões em massa, que afetam mais de 50 mil pessoas”, criticou.
Entre as medidas restritivas, Mónica Ferro citou também os avisos a milhares de pessoas, inclusive universitários, para que não saiam do país. “Educação e Justiça estão entre as áreas sob maior escrutínio e maior pressão porque são, supostamente, as áreas em que Gulen [Fethullah Gulen, clérigo opositor a Erdogan] terá a sua base de apoio. É preciso recordar que o presidente Erdogan considera o clérigo Gulen, exilado nos Estados Unidos, o autor do golpe de dia 15 e o acusa de ter construído um estado paralelo dentro do estado turco.”
Segundo informações divulgadas hoje (22) pela BBC, o presidente turco prometeu que a democracia não será prejudicada e os direitos e liberdades fundamentais não serão controlados. “Este passo é dado para eliminar os apoiantes da organização terrorista de Fethullah Gulen da burocracia estatal, para colocar o Estado em mãos fortes, a fim de fazer a democracia funcionar melhor democracia”, disse Erdogan.
Ontem (21), a Turquia decidiu suspender temporariamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que inclui as liberdades fundamentais e a proibição da pena de morte – autorizada apenas em caso de guerra. A suspensão temporária pode ser solicitada com base no Artigo 15 da Convenção, que afirma que “em caso de guerra ou outro perigo público que ameace a vida da nação”, um país signatário da medida “pode revogar suas obrigações”.
Para a pesquisadora portuguesa, com o país em estado de emergência, o governo turco poderá adotar ainda mais medidas de limitação dos direitos civis, como detenções, revistas, toque de recolher obrigatório e verificações aleatórias de identidade. “Estas medidas combinadas limitarão de forma quase inaceitável as liberdades individuais, mas não permitem a Erdogan violar as regras do Estado de direito. Trata-se de uma medida limitada no tempo e sujeita a supervisão e não permite derrogações ao direito à vida, à proibição da tortura e à proibição da escravatura e do trabalho forçado, bem como ao princípio da legalidade”, explicou.
Em várias ocasiões, a Turquia foi acusada por ativistas, organizações não governamentais (ONGs) e outros países de perseguir opositores ao governo de Erdogan apenas pelo fato de eles disscordarem das decisões de Ancara.
Desde a tentativa fracassada de golpe de Estado, o governo já anunciou a prisão de cerca de 50 mil pessoas, o fechamento de mais de 800 escolas e milhares de professores, jornalistas, funcionários públicos, militares e oficiais de alta patente das Forças Armadas foram afastados de seus cargos, em uma “limpeza” promovida por Erdogan sob a justificativa de evitar um novo golpe. Mais de 260 pessoas morreram.
Para a pesquisadora, a tentativa de golpe militar deixou claro um descontentamento com a política turca, e já era inclusive esperada por Erdogan.
“O fato de o golpe ter sido controlado em cinco horas, de nenhum edifício governamental ter sido destruído, de o aeroporto ter sido reaberto na manhã seguinte e outros sinais, como a longa lista de detenções dos envolvidos no golpe, revelam que Erdogan antecipava um golpe deste teor e tinha uma resposta pronta. Apenas nos resta esperar que os parceiros internacionais da Turquia, nomeadamente a União Europeia, deem sinais claros de que não tolerará uma deriva autoritária violenta num país candidato à adesão, nem em qualquer outro.”