Gaza tem mais de 700 mil crianças sem água, escola ou cuidados médicos
Mais de 700 mil crianças da Faixa de Gaza vivem atualmente em abrigos ou acampamentos sem água nem comida suficiente, sem escola ou cuidados médicos, alertou nesta sexta-feira (11) o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na região, Jonathan Crickx.
“Embora a situação já fosse extremamente difícil nos últimos meses, o que temos testemunhado é que a situação geral das crianças quase todos os dias se agrava”, afirmou.
Após missão em Gaza, Crickx explicou que além do número de crianças mortas neste primeiro ano do conflito – cerca de 11 mil, segundo a ONU –, há muitas feridas sem ajuda médica e milhares com fome.
“Quando se anda por Gaza, vê-se a maioria das crianças a carregar velhos garrafões de plástico com água. Estão a tentar recolher água e também alimentos para as famílias”, afirmou, acrescentando que em muitas das áreas que visitou, as pessoas “vivem em abrigos ou tendas e têm muito pouco, [além de] alta promiscuidade em zonas densamente povoadas”.
Nessas áreas, disse o porta-voz à Lusa, não há infraestrutura, e “as pessoas estão literalmente a viver em esgotos a céu aberto, perto de grandes pilhas de lixo”.
A situação é muito preocupante, admitiu o representante do Unicef, destacando que se trata de “uma receita terrível para o aparecimento e propagação de doenças” como já ocorreu com surtos de diarreia crônica, de hepatite A e, neste verão, de poliomielite.
“Todo o sistema de saúde está muito deficiente em Gaza”, disse, já que só cerca de 16 dos 36 hospitais existentes estão funcionando.
“Os hospitais precisam ser reconstruídos, para poder apoiar as crianças feridas, mas também as que estão doentes. Quando estive em Gaza encontrei muitas crianças que tinham câncer”, mas que não conseguem ser tratadas por falta de medicamentos e equipamentos, lamentou, defendendo que esses doentes devem ser imediatamente levados para outros países.
Outro problema que preocupa o Unicef é a falta de escolas e de aprendizagem dos menores que vivem na Faixa de Gaza.
“De acordo com os números que temos, mais de 85% de todas as escolas foram danificadas ou destruídas”, afirmou, adiantando que o Unicef considera que as crianças locais “têm um fosso de aprendizagem de mais de um ano”.
Para tentar fazer face à situação, a organização criou, nos últimos três meses, espaços de aprendizagem temporários.
“São basicamente algumas tendas montadas num acampamento e onde são dadas lições muito básicas: um pouco de leitura, escrita e matemática”, explicou.
Em um primeiro momento, a organização conseguiu chegar apenas a 12 mil crianças, o que, “é claro, não é suficiente”, mas o objetivo é “ampliar o número de vagas, porque, apesar de não haver espaço disponível, há procura enorme”.
Nesses espaços de aprendizagem, a equipe do Unicef decidiu ainda tentar ajudar com outra necessidade premente das crianças. “Quase todas as crianças na Faixa de Gaza necessitam de apoio à saúde mental devido à intensidade do que passaram nos últimos meses”, alertou Jonathan Crickx.
Segundo ele, “muitas crianças estão traumatizadas” e precisam de ser apoiadas porque “isso é essencial para a sua capacidade de lidar com o sofrimento e com a violência a que foram expostas”.
Reiterando um pedido feito inúmeras vezes por Estados e organizações humanitárias, Jonathan Crickx defendeu que um cessar-fogo é “a única forma de ajudar as crianças em grande escala”.
Mas, mesmo perante a aparente impossibilidade disso ocorrer em curto prazo, o porta-voz do Unicef na Palestina apela para a existência de “pausas humanitárias” no conflito.
“Fizemos uma campanha de vacinação contra a poliomielite no início de setembro. O objetivo era vacinar aproximadamente 600 mil crianças com menos de dez anos e, em 12 dias, conseguimos vacinar mais de 560 mil crianças”. Para ele, “isso significa que quando todos se alinham e demonstram boa vontade através de pausas, é possível os trabalhadores humanitários prestarem algum apoio” às crianças em Gaza.
O atual conflito na região começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando cerca de mil combatentes do Hamas atacaram inesperadamente o território israelense, matando quase 1.200 pessoas e fazendo mais de 250 reféns, dos quais quase 100 continuam detidos.
O governo de Tel Aviv prometeu aniquilar o movimento islâmico, considerado terrorista por Israel, pelos Estados Unidos e a União Europeia.
As investidas de Israel na Faixa de Gaza já mataram cerca de 41.500 pessoas e forçaram quase 2 milhões de pessoas a fugir de casa, segundo as autoridade do enclave, controlado pelo Hamas.
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