Tarefas cotidianas que seriam fáceis em outros bairros da cidade, como comprar pão na padaria, sair para o trabalho, frequentar a escola se tornam absurdamente difícil para quem mora no Conjunto de Favelas da Maré.
A voz retrata um dos dias em que crianças tiveram a rotina escolar alterada por conta de operações policiais. O Boletim Direito à Segurança Pública na Maré divulgado nesta sexta-feira (14) pela ONG Redes da Maré mostra que em 2019, a cada três dias houve um tiroteio nas comunidades que integram o complexo e reúnem quase 130 mil habitantes.
As operações policiais resultaram em 24 dias de suspensão das atividades nas escolas e 15 mil atendimentos deixaram de ser realizados nos serviços de saúde. O número de operações também aumentou em relação a 2018, foram 39 no ano passado contra 16 no ano anterior.
Lidiane Malanquini, coordenadora do eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré destaca que um território inteiro está sendo cerceado em operações que não tem garantido a própria segurança da população.
Segundo o levantamento, 49 pessoas morreram na Maré em 2019 por armas de fogo. Dessas mortes, 34 foram em dias de operação policial. O resultado é que a cada 10 mortes no bairro, sete foram no contexto das operações. Todos os mortos eram pretos ou pardos. Os dados mostram ainda as falhas no processo de investigação dessas mortes.
O levantamento, que já está na 4ª edição, foi elaborado por meio de dados oficiais dos governos municipal e estadual, polícias e institutos de pesquisa, além de um intenso trabalho feito junto a comunidade. Com o projeto De Olho na Maré, em até 48 horas após a ocorrência dos confrontos armados, equipes vão a campo confirmar a veracidade das informações que chegam durante os conflitos.
A Redes da Maré mantem também um plantão durante as operações para acolher as vítimas da violência. Em 2017, uma ação civil pública pioneira, conquistada a partir da articulação dos moradores, definiu regras para as operações policiais na Maré, como a não realização dessas ações em horários de entrada e saída de estudantes ou no horário noturno. A Redes afirma, no entanto, que esses critérios não vem sendo observados.
Nesta semana a Defensoria Pública do Estado do Rio moveu outra ação civil pública, junto à 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, para que sejam proibidas as operações policiais no entorno das creches e escolas públicas estaduais e municipais.
As Polícias Militar e Civil foram procuradas para se pronunciarem sobre o Boletim da Segurança Pública na Maré. Questionada sobre os dados do levantamento, por meio da assessoria de imprensa, a Polícia Militar respondeu que as operações desencadeadas pela Corporação para localizar criminosos e apreender armas e drogas são pautadas por informações da área de inteligência e seguem protocolos técnicos e legais de execução.
Ainda segundo a Polícia Militar, essas operações ocorrem sempre com a preocupação central de preservar vidas humanas. A Polícia civil não respondeu até o fechamento desta reportagem