A flexibilização das regras trabalhistas e a desigualdade social são um prato cheio para que cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras se submetam a serviços forçados, sem garantia de direitos básicos - a chamada escravidão contemporânea.
Nos últimos 25 anos, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, resgatou mais de 60 mil pessoas em situação degradante de trabalho no Brasil.
De acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, os setores econômicos mais envolvidos com essa prática são criação de bovinos e cultivo de cana-de-açúcar.
Foi o caso do trabalhador Marinaldo Santos, de Pindaré-Mirim, no Maranhão. Resgatado duas vezes de fazendas de gado, ele conta que foi aliciado com promessas tentadoras de bom emprego, mas que, na prática, a história era outra.
"A gente trabalhava e todo o tempo estava devendo. Dormia debaixo de pé de árvore, de barracos de lona, em asa velha abandonada, cheia de morcegos... a nossa comida, nós passamos um mês e 15 dias comendo, se alimentando só com açaí e peixe, que a gente pegava. Quando dava de pegar. E ainda era ameaçado, que se a gente saísse para denunciar, era capaz da gente morrer. Foi um sofrimento muito grande".
A entidade internacional de Direitos Humanos, Walk Free Foundation, estima que o nosso país tem, ainda, mais de 300 mil pessoas em situações como a vivida por Marinaldo.
Para o procurador do Ministério Público do Trabalho, Tiago Cavalcanti, a situação é grave. Isto porque, enquanto aumentou o número de pessoas resgatadas em trabalho escravo, as fiscalizações diminuíram nos últimos anos. A exploração do trabalho forçado, segundo ele, tem relação direta com a injustiça social no Brasil e com a legislação trabalhista.
"Se em algum momento a gente conseguiu evoluir, no sentido de garantir um patamar de proteção às pessoas trabalhadoras, desde 2016, com a reforma trabalhista, com a uberização, com várias leis que vieram para diminuir o patamar de proteção da classe trabalhadora, a gente tem retornado a esse vazio protecionista. E os trabalhadores não tem mais um arcabouço protetivo que lhe garanta o mínimo de dignidade no trabalho".
O professor de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas, Adriano Nascimento, avalia que o foco da economia na exportação de matérias-primas e a flexibilização do trabalho abrem portas e janelas para a chamada escravidão contemporânea.
"Tem muito sim a ver com a desregulamentação, com a flexibilização, com as altas taxas de desemprego que a gente tem visto hoje. E também está diretamente ligado com o padrão que a gente chama de primário-exportador: há uma desindustrialização do país, e essa desindustrialização fez com que o setor dinâmico da economia seja o setor primário, de exportação de minerais e produtos agropecuários".
De acordo com o especialista, medidas de prevenção e fiscalização precisam ser intensificadas no combate ao trabalho escravo. Além disso, ele defende medidas como a reforma agrária e a execução do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.
A Radioagência Nacional apresenta uma série de cinco reportagens sobre o trabalho. As matérias serão publicadas entre os dias 1º e 5 de maio. Esta é a terceira reportagem da série (veja a relação completa abaixo).
- "Constituição do trabalho", CLT completa 80 anos nesta segunda (1º)
- O impacto que a inteligência artificial pode ter no mundo do trabalho
- Especialistas apontam relação entre flexibilização e trabalho escravo
- Mudança na regra inviabiliza aposentadoria de trabalhadores informais
- Projeto de lei quer rever pontos da reforma trabalhista
*Ficha técnica desta reportagem da série sobre trabalho:
Reportagem: Sayonara Moreno
Sonoplastia: Messias Melo
Edição: Leila dos Santos
Publicação na Radioagência Nacional: Alessandra Esteves